domingo, 29 de maio de 2011

Olhando...





OLHANDO PARA TRÁS, OLHANDO PARA FRENTE, CEGO E PERDIDO ANDANDO A ERMO!

Sexta Feira, próxima, chego (cheguei!) ao ante pé dos cinqüenta anos. Estarei completando quarenta e oito anos e, pareço mais um urso em hibernação que o lobo da estepe que deveria ser.

Barbudo e cabeludo - se é que uma calvície incrustada de cabelos brancos a volta do topo do crânio é uma cabeleira – e com péssima aparência, vivo de ruminar o passado, enquanto que o presente é só um poema mal acabado...

A olhar, o futuro sem maiores esperanças e/ou projetos, vou seguindo um dia a dia sem desejos e virtudes, sem avanços e em demora, tal qual um urso hibernado sem pressa de que venha o verão.

Desde os trinta e cinco é que um ocaso ocupa a vida de meu coração e o tempo de meus pensamentos. Tal mercúrio, escorre da mão, a força vital da vida e, o dia engole as noites tal qual as noites regurgitam os dias em embaraçada indigestão que me apavora os ânimos e a vontade de acordar.

Vivo de paixões antigas, pontiagudas farpas que me atravessam o peito tal estacas a amortecer a sede de um vampiro...Sombras, sombras e mais sombras de um passado vigoroso em vida e risos, em prazer e satisfação, em alegria e contentamento.

Onde foi que deixei escapar a razão de viver?
Onde foi que perdi o passo?

Em algum momento eu deixei de olhar a volta, fiquei cego, deixei de ver as verdades ou as possíveis verdades de meu entorno e, volvi os olhos para dentro de meu ser, deixei de ver a luz da verdade relativa, para tentar ver a verdade absoluta de meu eu, e, me aprofundei cada dia mais na imensa caverna escura de meu ego. E, sem pestanejar nunca, sem tremer jamais, caminhei dia a dia por entre as curvilíneas entranhas de meu ser interno e subjetivo.

Difícil avaliar, quanto da vida poderei eu, ter perdido. No caminhar insano de meu caminhar buscador.

No agora, as mínimas coisas me parecem inalcançáveis...Tão distantes que mo parecem estar de minhas capacidades todas, reunidas. Meu corpo não reage mais às vontades que por vezes meu querer despeja sobre ele, a musculatura já não responde a vontade de caminhar e ver a paisagem à volta e o domínio que muitos ainda tem sobre si e o mundo a sua volta, a natureza linkada ao caminhar da urbe, as flores cercadas de muretas de alvenaria, a grama que enfeita a borda da ciclovia, as bicicletas em movimentos tais quais danças várias, tal qual o acrobata em uma linha de rua suspensa a três centímetros do chão, quem sabe se ousasse uma corridinha leve, para ver passar a velocidade de duas ou três passadas em uma, um amigo antigo, um velho conhecido, uma criança a rir ou a fazer malcriações a seus pais, quem sabe, saberia ser mais feliz, saberia estar melhor e mais arejado?

Pareço mesmo é uma velha tela de cinema, sim, uma daquelas que exibia a parede do Cine Riviera em Belford Roxo, quando era eu infante feliz e dono do mundo.Pareço mesmo, aquela velha tela que me trás à memória tantos velhos filmes que minha meninice adorou e riu e comentou nas muitas segundas feiras de aula e novidades do final de semana. Uma velha tela onde o filme da memória surge a cada instante a desiludir uma esperança de dias renovados e apaixonados.

Quando menino, também me acometia por dias uma melancolia e tristeza enorme e, nesses momentos me recolhia a velha mangueira do quintal, grande, enorme e frondosa árvore de lindas, grandes, enormes e deliciosas mangas coração de boi, lá de cima via o mundo à volta de minha casa, via todos os quintais, via o sol e as nuvens bem mais de perto que todos os meus e voava um avoar pousado, um avoar lúdico por toda à volta, enquanto via os meus, bem mais pequeninos que o normal e ainda mais distantes, tanto quanto eu preferia, em minha raiva de dor grandona, feito a árvore e a manga doce. Ali dentro do vento e perto da roda do ar do mundo eu curava minha doidice de menino e volvia ao mundo real, ao meu reino real.

Por agora, não há mais árvores que possa eu subir, o devir as levou e trouxe espaços amplos nos quintais e, ainda se assim não fosse, meus músculos não permitiriam tamanha travessura aos pés, dos pés dos cinqüenta anos. Por agora, posso subir ao alto das minhas lembranças e me escarafunchar no escuro quarto de minhas lembranças, na fria caverna de minha alma tal urso a hibernar, no fechado corpo de minhas entranhas de estranhas ciladas para minha vida, tal eu próprio.

Não está somente na memória meu maior tormento, meu maior tormento, está também na capacidade, na velocidade e na criatividade que me fugiram. Meu maior tormento é mesmo à vontade, as minhas vontades são tantas que é nenhuma. E sem vontade não tenho nenhuma verdade se não uma grande mentira que passa ser minha vida.

Por vezes infinitas, busco a concentração e, tento nela instalado conseguir engendrar de forma didática, uma reação, um salto, um olhar além, mas mecanicamente, me surgem tantos eus dentro da cabeça, a discursar e discutir tão prolixamente, sobre tantos e tantos diversos assuntos, que me foge, a grande velocidade a concentração com todos os planos.
projetados sob o braço.

Não há um projeto que eu persiga com a obsessão natural da dedicação e da vontade de fazer e de ser. Afinal a “sede de nomeada” nos abraça, mesmo quando não admitimos, mesmo quando não queremos, mesmo quando não pedimos em reza ou prece, ela nos surge por que é natural que surja, orgulho, da construção de quaisquer engenho objetivo ou subjetivo que seja, mas a submissão ao desalento e ao desespero da alma é o que me move ou imobiliza, nada sou, tudo e nada quero por conta de que nada faço.

Desespero da alma é meu mal. E complica a dor admitir que lá dentro de mim um outro eu exista e que este outro eu – elegido entre os vários e vários eu – que se lançam contra as paredes de minha calma – me dificultando a escolha de um eu externo de personalidade eterna - seja alma, pois que alma é coisa de cristão, vibração e vida nos dada pela escola da religião este coyote que nos segue sedento desde a mais tenra calma, a do nascimento. Como posso então aludir um desespero da alma, se não vejo no céu um senhor deus que me possa trazer toda a calma?

Enterra-me no bucho mais esta vez o punhal do devir que me surge célere a puxar os pés sem mo deixar descansar e dormir. Pra que tanta pressa se ao menos sei pra onde ir?

Estas minhas mãos leves e carinhosas já se viram a acariciar tantos lindos rostos, esta minha boca de negro a ostentar grossos lábios já souberam beijar de forma tão carinhosa, apaixonadas e sedentas almas gêmeas de meu amor e ousaram lhes dar o melhor de mim, como numa transubstanciação em que se transforma o beijo em profundo e terno amor. Quão leviana pode ser inda a vida que as levou por motivos que nem sei mais saber, por ter sido lavado em dor de amor e por estar seguindo em solidão?

A dedicação de toda a minha vida devotada à educação e a cultura que tantos pares me fez conhecer, que tantos lindos poemas me fez escrever que tantos vigorosos poetas me fez ler, em rodas de música, querer e fazer. Por onde anda tanta gente que nos ombros amparei quando preciso foi? Por que se insurgiram contra tudo o que acreditei e provei saber fazer existir, numa rebelião onde divinizaram e valorizaram seus próprios umbigos ante a festa do pão que era pra ser dividido a todos do circo?

Vivo, pois, sem vida, um viver de lacônica estrada, sonhando viver ainda um grande amor, nesta minha vida de viver sem vida. O amor será a flor que renasce linda no jardim de quem plantou e regou e morre intensamente a cada dia por perseguir dentro do peito, forma de salvar o viver da vida.

Talvez me salve a poesia, talvez me salve a poesia ou um poema de mim na contradição do milagre que para mim não existe se não na necessidade de sua existência.