quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O Senador dos Bares

O SENADOR DOS BARES

 
Olha-lo caído ali no chão, sobre uma sangueira rubra e espessa, gerava várias sensações, um quase nojo, uma quase pena e algum pavor eu acho. Era uma cena de cinema com fotógrafos, jornalistas, a polícia e curiosos, ilustres desconhecidos como que figurantes compondo uma cena.
 
E eu, coadjuvante curioso e quieto, vi o mundo girar veloz em minha memória, vitima que era daquela circunstância caustica, formada por aquele cheiro, aquela visão, aquele burburinho, com comentários desencontrados e inúteis.

 Em minha mente um outro filme começou a rodar. Hora em câmera lenta, hora em fast foward. Era difícil conciliar as coisas, o flash back e o real, o silêncio do corpo caído, e o burburinho geral. Minha mente rodava confusa.

 Olhei para o bar em frente e, veio nítida a imagem de uma conversa anterior, onde ele, engajou-se em um discurso de cunho social apaixonado. Era um homem de leitura, não propriamente um intelectual, mas tinha uma boa formação. Discorreu então, neste breve momento de nossas vidas, sobre a formação da política local, tinha de cabeça dados históricos, nomes, datas, fatos. Faltava-lhe os documentos, prova de seus argumentos, pois, qual nada, era ele o próprio documento “in vitro”.
 
Era uma conversa divertida, conversa de bar, entremeada por rápidas interrupções para piadas, gargalhadas e espiadelas nas perdidas - nome que dava as mulheres de seu gosto, que passavam pela calçada adjacente - e longos e prazerosos goles de cerveja, que exigia, “só aceito Bohemia”.

 Era difícil aceitar como fato, a condição que hora se apresentava. A caneta em sua mão fez-me concluir, que deveria ele estar fazendo o que lhe era peculiar, “dando nome aos bois”. Teimava em apresentar nominalmente os culpados pelo Brasil que temos. De forma hierárquica e com muito método, chegava a propor uma longa lista de nomes a nível federal, estadual e municipal, concluindo com o bairro: “Estes são os matracáfios do nosso povo, os destruidores de nossa sociedade”, bradava.
 
Merinha, a dona do bar, sempre lhe dizia, “esta mania de ficar se metendo em política e mexendo com a mulher dos outros, ainda vai te dar problemas sérios, homem de deus, vê se fica direitinho!!”. Ao que lhe respondia sorrindo “Eu sou o Senador dos bares e o Mangueirinha, é meu palanque. Bota mais uma Bohemia no balcão.” E ria, e falava e olhava batendo palmas às perdidas que passavam.
Ali no chão, semeando a terra, vários homens em um. O cliente, o cidadão, o antropólogo, o sociólogo, o homem, O senador dos bares. E eu, aqui sou, apenas mais um que nem sabia seu nome, sigo para casa, ainda atordoado, perguntando-me por que nunca houvera perguntado seu nome, e se vale à pena viver, e se nossa opinião sobre a verdade não pode ser dita.
Sylvio Neto
Publicado no Recanto das Letras
Enviado por Sylvio Neto em 07/12/2005
Código do texto: T81981